A Crise da Engenharia no Brasil
Análise crítica da matéria do Estadão do dia 20/04
Marcio Medeiros
4/20/20253 min read


Recentemente, o jornal O Estadão publicou uma matéria destacando a acentuada queda no número de estudantes matriculados em cursos de engenharia no Brasil, que passaram de 358 mil em 2015 para apenas 172 mil em 2025. A reportagem busca traçar uma comparação com países como Coreia do Sul, China e Estados Unidos, que possuem um número expressivamente maior de profissionais formados nessa área. No entanto, tal comparação, embora sugestiva, carece de uma análise mais aprofundada sobre as especificidades estruturais, econômicas e políticas que configuram a realidade brasileira.
Em primeiro lugar, é preciso refletir sobre o papel desempenhado pelo engenheiro no Brasil. Nos países citados — Estados Unidos, China e Coreia do Sul — o engenheiro é, antes de tudo, um agente da inovação, um vetor de transformação tecnológica diretamente vinculado a ecossistemas robustos de pesquisa, desenvolvimento e aplicação. Esses países estruturaram sistemas educacionais e industriais integrados a parques tecnológicos, incubadoras de inovação e estratégias governamentais de longo prazo voltadas ao avanço científico. Como exemplo, os Estados Unidos investem, historicamente, cerca de 3,5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que representou, em 2017, aproximadamente 118 bilhões de dólares. No Brasil, o investimento atual gira em torno de 1,2% do PIB — considerado um recorde histórico —, embora em governos anteriores, como o de Jair Bolsonaro, esse índice tenha sido dramaticamente inferior, atingindo, em 2021, apenas R$ 89 milhões, um valor ínfimo diante das demandas do setor.
Outro fator crucial é a existência, nesses países, de setores estratégicos consolidados, voltados ao desenvolvimento nacional. A alocação de recursos em ciência e tecnologia não ocorre de forma aleatória, mas está direcionada a áreas de potencial retorno econômico e geopolítico. Tais investimentos resultam em inovação com valor agregado, aumento da produtividade e influência direta no Produto Interno Bruto. Em contraste, o Brasil carece de um projeto claro de desenvolvimento nacional baseado em ciência, tecnologia e inovação. Embora o atual governo federal esboce iniciativas nessa direção, ainda estamos longe de construir um vetor coerente e sustentável de desenvolvimento tecnológico que possa gerar competitividade em escala global.
Nesse contexto, o engenheiro brasileiro acaba sendo absorvido majoritariamente por funções operacionais, atuando como responsável técnico em indústrias, muitas vezes em regime de terceirização. Com a flexibilização das leis trabalhistas e a precarização das relações de trabalho, é comum que um único engenheiro responda tecnicamente por múltiplas empresas. Isso reduz a oferta de empregos e restringe o espaço para novos profissionais. Em um cenário onde a demanda por engenheiros está estagnada — ou até em retração —, e os profissionais mais experientes dominam o mercado, jovens recém-formados enfrentam enormes dificuldades para inserção e ascensão profissional.
Esse panorama desalentador contribui diretamente para o aumento da evasão nos cursos de engenharia. Ao se depararem com um mercado saturado, competitivo e pouco promissor, muitos estudantes optam por migrar para outras áreas. Em suma, a retração no número de graduandos em engenharia não pode ser compreendida apenas por indicadores numéricos ou comparações internacionais simplistas. Trata-se de uma resposta concreta a um mercado de trabalho precarizado, com baixas perspectivas e escassas oportunidades de inovação.
Portanto, a análise promovida pelo Estadão revela-se limitada e, em certa medida, míope, pois ignora as condições estruturais que explicam o desinteresse crescente pelas engenharias no Brasil. Ademais, ao comparar o país com nações que possuem políticas de Estado consolidadas e estratégias tecnológicas de longo prazo, o texto incorre em um equívoco metodológico que pouco contribui para a compreensão do fenômeno. Sem um plano nacional de desenvolvimento articulado, capaz de integrar educação, ciência, tecnologia e indústria, o país continuará enfrentando uma fuga de talentos e um desmonte progressivo de áreas estratégicas para o futuro.