A grande epopeia de Aurora e o circo escolar

Crônica Humoristica sobre a vida escolar

Marcio Felipe Salles Medeiros

9/6/20254 min read

Ser professor é viver entre dias de luta e dias de glória, mas sejamos honestos: os de glória cabem em um post-it, enquanto os de luta dariam para encher a biblioteca inteira da escola — incluindo a parte de livros didáticos nunca devolvidos. E não é uma luta qualquer: é como enfrentar um gorila com a mão esquerda e um leão com a direita, tendo como arma nada além de um livro didático de Ciências de 1998, com páginas amareladas e cheiro de mofo pedagógico.

Pois bem, nesse campo de batalha entra Aurora, uma jovem professora que, como todo neófito ingênuo, ainda acreditava que poderia mudar o mundo com criatividade e carinho. Chegou na escola cheia de planos, metodologias ativas e brilho nos olhos. Brilho este que, spoiler, não sobreviveria ao primeiro evento escolar.

Ah, os eventos escolares… a versão pedagógica dos Jogos Mortais. São nesses momentos que os professores descobrem talentos ocultos: viram atores sem cachê, pintores sem ateliê, pedreiros sem cimento e costureiros sem linha. Tudo isso na base do improviso, da pressão e de uma substância química chamada “ódio funcional”.

Aurora, animadíssima, resolveu estrear com um projeto interdisciplinar, digno de capa da Nova Escola: misturaria Linguagens, Artes e Lógica, ensinando os alunos a pensar, criar e se expressar. Uma ideia linda no papel — e absolutamente impraticável diante da realidade chamada Cleber, Mathias, Pedro e Katharina.

No grande anúncio, Aurora explicou emocionada o projeto. Alguns alunos se contagiaram; outros olharam para ela como se estivesse descrevendo a origem do universo em mandarim. Katharina, especialista em revirar os olhos em 360 graus, inaugurou sua performance. Cleber lançou uma piada de quinta categoria que faria qualquer comediante fracassar, mas arrancou gargalhadas histéricas de Pedro e Mathias, sempre prontos para transformar a sala em uma sucursal do Porta dos Fundos.

No primeiro dia, o caos: Katharina fingia escrever, mas produzia apenas rabiscos dignos de caverna pré-histórica. Cleber e Pedro transformaram o material em munição de guerra, inaugurando a Primeira Batalha do EVA, enquanto Mathias, completamente alheio, decidiu inventar uma atividade paralela que só fazia sentido em sua própria mente. Aurora, paciente, tentou intervir com aquele tom esperançoso de professora de curso motivacional. Resultado? Nada. O trabalho que deveria durar duas aulas levou cinco, e o que nasceu como um projeto interdisciplinar virou uma novela mexicana sem final feliz.

Mas Aurora ainda acreditava na “colaboração docente”. Achava que os colegas de profissão iriam unir forças. Só não sabia que “todos juntos” significava, na prática, meia dúzia de professores sobrecarregados, enquanto o resto aplicava a estratégia milenar do “boa sorte aí, colega”. No fim, Aurora, junto com o pequeno grupo dos “otários engajados”, passou noites montando cenários, recortando, pintando e amaldiçoando Platão por ter inventado a pedagogia idealista.

Chegado o grande dia: Aurora, com cara de zumbi fashion, acordou cedo, tomou banho, passou perfume, se arrumou toda e foi apresentar sua obra. E estava bonito, sim, digno de aplauso. O único problema? O trabalho da turma do quarteto do apocalipse escolar parecia ter sido feito por pinguins com labirintite.

Eis que surgem os pais, majestosos em seu papel de críticos de arte contemporânea: ignoraram as produções impecáveis e focaram justamente nos trabalhos ruins. “Mas que professora desatenta! Como deixou isso passar? Não deve ter se dedicado direito!”, comentavam, sem imaginar que Aurora havia dado três rins e duas noites de sono para que aquele evento acontecesse.

Moral da história? Aurora percebeu que ser professor não é só um ato heroico e ingrato: é, sobretudo, uma grande palhaçada. Um espetáculo tragicômico onde o professor, inevitavelmente, é o palhaço principal — e nem ganha cachê.

E quando, ao final do evento, alguém perguntou a Aurora se ela participaria do próximo, ela sorriu com aquele olhar de quem já morreu por dentro e respondeu:
— “Claro! Só me avisem se vai ter circo de novo, pra eu já vir com o nariz vermelho e a peruca colorida. Assim pelo menos ninguém vai reclamar do figurino.”

E os pais do grupo apocalíptico, aqueles mesmos que sabem muito bem a “capacidade limitada” e o comportamento, digamos, “peculiar” de seus filhos, saíram do evento radiantes. Para eles, tudo foi uma maravilha! Afinal, qualquer coisa que não envolva briga de irmãos no carro ou chamada da direção já é considerada uma vitória. Bateram palmas, elogiaram a escola, disseram que “o projeto foi incrível”. Era como se os filhos tivessem pintado a Capela Sistina, quando na verdade mal conseguiram cortar papel sem transformar a tesoura em arma medieval.

Entretanto, quem não adorou foi Aurora. Seu sonho da primeira atividade magnífica se desfez diante de seus olhos. Era como estar na cabine do capitão do Titanic: ela viu o iceberg, ouviu a orquestra tocando, sentiu a água invadindo e pensou — “pronto, lá se vai minha carreira pedagógica, junto com a mobília da sala”. O pior? Ela não era apenas passageira, mas capitã da desgraça: estava na primeira fila, com visão panorâmica da tragédia escolar em 4K.

Aurora percebeu que sua aula não tinha sido uma atividade pedagógica, mas um documentário de sobrevivência produzido ao vivo. E se havia alguma dúvida, ela se confirmou quando ouviu uma mãe comentar:
— “Olha, professora, parabéns! Agora entendo porque vocês ganham férias de dois meses. Eu teria desistido no primeiro dia!”

No fundo, Aurora só não desistiu porque já tinha passado do estágio probatório do contrato. E também porque, como boa professora, sabe que desistir não está no currículo… mas deveria.