Análise da Série “Adolescência” e os Desafios Contemporâneos da Parentalidade
Artigo sobre a Série da Netflix "Adolescência" tratando de aspéctos sociais e psicológicos
Marcio Medeiros
3/30/20253 min read


Recentemente foi lançada na plataforma Netflix a série Adolescência, cuja trama gira em torno de Jamie, um jovem de apenas 13 anos que comete um assassinato. Embora o enredo possa, à primeira vista, remeter a uma narrativa policial comum, o seriado se revela, na verdade, como uma instigante reflexão sobre os dilemas contemporâneos da parentalidade e sobre as profundas lacunas emocionais vivenciadas por crianças e adolescentes no contexto atual.
Um dos aspectos centrais abordados pela série é a dinâmica familiar, com ênfase na figura paterna. Eddie, pai de Jamie, representa um tipo de paternidade que tenta romper com um ciclo de violência herdado: vítima de agressões do próprio pai durante a infância, decide criar seu filho de maneira diametralmente oposta, evitando castigos físicos e oferecendo, dentro de suas possibilidades, conforto material. Contudo, ao priorizar o provimento financeiro, Eddie se ausenta emocionalmente. Longas jornadas de trabalho, ausência nas interações cotidianas e escassez de diálogos tornaram-se marcas dessa relação, configurando o que especialistas chamam de "abandono emocional silencioso" (Bowlby, 1989).
Outro elemento relevante da narrativa é a dificuldade de comunicação entre adultos e crianças. A série ilustra essa falha por meio do uso simbólico dos emojis, linguagem digital predominante entre os mais jovens. O que os adultos interpretavam como simples trocas de mensagens triviais, na verdade, possuíam significados depreciativos e códigos que passavam despercebidos por pais e educadores. Essa distância entre os universos simbólicos de diferentes gerações – conceito discutido por autores como Philippe Ariès (1960) e Neil Postman (1994) – revela uma espécie de abismo comunicacional que inviabiliza a escuta sensível e o reconhecimento da subjetividade infantojuvenil.
Somado a isso, evidencia-se na série um terceiro fator alarmante: a substituição da presença emocional dos pais por discursos desestruturantes encontrados na internet. Jamie, em sua solidão afetiva, buscava pertencimento e respostas em ambientes virtuais, onde foi exposto a conteúdos manipuladores que o influenciaram diretamente na tomada de decisões extremas. Esse fenômeno ilustra o conceito de "desorientação digital", no qual a ausência de mediação crítica e o consumo irrestrito de informações tornam o jovem vulnerável à manipulação, à radicalização e à adoção de discursos violentos.
Dessa forma, Adolescência toca em duas das mais urgentes problemáticas contemporâneas no campo da educação e do desenvolvimento infantojuvenil: os desafios comunicacionais e a falsa noção de segurança domiciliar. O primeiro diz respeito à necessidade imperiosa de que os adultos se aproximem do universo simbólico das novas gerações, compreendendo seus códigos, linguagens e repertórios culturais. O segundo refere-se à perigosa crença de que, por estarem fisicamente em casa, os jovens estariam protegidos. Ocorre justamente o contrário: sem vínculos emocionais consistentes, a criança ou o adolescente pode buscar pertencimento em espaços virtuais não supervisionados, onde discursos violentos e indivíduos mal-intencionados se escondem sob perfis falsos.
Ao contrário do mundo offline, em que havia redes de socialização estruturadas e presença física de adultos ou pares com os quais os jovens interagiam, hoje muitos dos vínculos são mediados por telas e algoritmos. A clássica máxima “Diga-me com quem andas e te direi quem és” permanece válida, mas os “companheiros” atuais são frequentemente desconhecidos, muitas vezes invisíveis e potencialmente perigosos. O risco, portanto, deslocou-se do espaço público para o privado, exigindo uma nova ética de cuidado parental e pedagógico.
Na trama da série, essas falhas culminam em um crime. Contudo, na realidade, elas se expressam em múltiplas formas de violência – de automutilações e comportamentos autodestrutivos até atentados em ambientes escolares. Tais manifestações são frequentemente sintomas de vínculos frágeis, carências emocionais e ausência de orientação segura.
Em suma, Adolescência nos obriga a refletir sobre a diferença entre prover materialmente e nutrir emocionalmente. São dimensões distintas do cuidado. A primeira responde a necessidades objetivas, enquanto a segunda diz respeito à formação subjetiva, à construção de vínculos afetivos, ao desenvolvimento da empatia e ao desenvolvimento do senso de humanidade. Ignorar essa diferença pode resultar em consequências dramáticas para o desenvolvimento psicológico e social das novas gerações.