Um dos temas mais prementes e inquietantes do cenário político contemporâneo reside na ascensão das chamadas Big Techs, cuja influência transborda as fronteiras do mercado e adentra, de forma decisiva, o campo político. Este fenômeno manifesta-se, sobretudo, sob a égide das grandes potências, como os Estados Unidos — com as plataformas da Meta (WhatsApp, Instagram e Facebook) — e a China, com o TikTok. A emergência desses conglomerados tecnológicos revela uma nova configuração de poder que subverte as dinâmicas tradicionais dos Estados nacionais, historicamente responsáveis pelo controle soberano sobre os processos que se desenrolam em seus territórios.

Essas corporações, ao operarem com algoritmos sofisticados de curadoria informacional, instauram um regime de mediação que filtra, direciona e hierarquiza aquilo a que os indivíduos têm acesso. Este filtro não é neutro; ao contrário, possui efeitos profundamente políticos, impactando processos deliberativos e decisões eleitorais. Tal influência se torna particularmente sensível no que concerne aos eleitores indecisos — parcela da população que, justamente por sua maior suscetibilidade às mensagens circulantes nas redes, torna-se alvo privilegiado das dinâmicas de manipulação algorítmica.

Paralelamente, observa-se uma corrosão crescente da confiança nas instituições políticas tradicionais, impulsionada pela incapacidade dos Estados nacionais em assegurar melhorias substanciais e perceptíveis na qualidade de vida de suas populações. Historicamente, a legitimidade dos Estados modernos esteve, em grande medida, atrelada à promessa de crescimento econômico contínuo. Contudo, o atual cenário, marcado pela estagnação ou por taxas de crescimento anêmicas nas economias ocidentais, fragiliza essa promessa, gerando frustração social, precarização das condições de vida e um sentimento difuso de desesperança.

Essa confluência de fatores — declínio econômico, precarização social e descrença nas instituições — tem fomentado uma crise de representação política. A consequência direta é o crescimento exponencial do contingente de eleitores indecisos, desiludidos ou politicamente apáticos. E é precisamente sobre esse que as Big Techs exercem um poder desproporcional, intervindo na formação da opinião pública e, em última instância, na definição dos rumos eleitorais e das escolhas coletivas. A lógica algorítmica, desenhada para maximizar engajamento e monetização, acaba por reforçar bolhas de informação, discursos polarizadores e processos de manipulação cognitiva em escala massiva.

Diante desse quadro, impõem-se desafios estruturais à política contemporânea. De um lado, urge a necessidade de repensar os modelos de desenvolvimento econômico, buscando alternativas ao paradigma hegemônico que combinem crescimento, sustentabilidade e bem-estar social. De outro, coloca-se a questão, não menos complexa, de como o Estado-nação pode regular a atuação das plataformas digitais sem incorrer, paradoxalmente, em práticas de censura, controle excessivo ou autoritarismo informacional. O grande dilema reside em construir mecanismos de regulação que fortaleçam a liberdade, a transparência e a integridade do debate público, ao mesmo tempo em que se mitigam os efeitos deletérios da manipulação algorítmica sobre os processos democráticos.

Big Techs e o Desafio à Soberania

Artigo publicado no jornal Diário de Santa Maria, no dia 03/06/2025

Márcio Medeiros

6/14/20252 min read