Chatbotsd e Saúde Mental

Artigo Publicado em 25/02 no Diário SM

2/26/20253 min read

Nos últimos anos, temos assistido a um crescimento significativo no uso da Inteligência Artificial (IA) para diferentes finalidades, incluindo a área da saúde mental. Um estudo conduzido pela Talk Inc. em 2024 revelou um dado alarmante: 1 em cada 10 jovens no Brasil recorre a chatbots de IA como forma de terapia. Esse fenômeno escancara dois aspectos preocupantes. De um lado, expõe um panorama delicado da saúde mental juvenil, evidenciando o aumento expressivo de transtornos como ansiedade e depressão. De outro, revela a insuficiência do acesso a serviços de saúde mental adequados, uma vez que esses jovens, por diferentes motivos, buscam suporte em ferramentas tecnológicas em vez de recorrerem a profissionais qualificados.

Atualmente, vivemos uma verdadeira epidemia de ansiedade entre os jovens. Dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de 2023 indicam que, entre crianças de 10 a 14 anos, 125,8 a cada 100 mil estão em crise de ansiedade. Esse número salta para 157 a cada 100 mil entre adolescentes. É crucial destacar que esses dados se referem apenas àqueles que procuram atendimento no sistema público de saúde, o que sugere que a incidência real do problema pode ser ainda maior. No contexto escolar, como professor, observo diariamente um cenário ainda mais preocupante: mais da metade dos alunos apresentam sintomas relacionados à ansiedade no cotidiano escolar, interferindo diretamente em seu desempenho acadêmico e bem-estar emocional.

Diante desse contexto de sofrimento psíquico, muitos jovens têm recorrido à terapia por meio de chatbots de IA como uma alternativa para aliviar suas angústias. O acesso fácil e imediato a essas ferramentas é, sem dúvida, um fator determinante para sua popularidade. No entanto, essa escolha também esconde questões mais profundas, como a falta de confiança na família, o medo de ser estigmatizado, a vergonha de expor seus sentimentos ou o receio de ser um incômodo para os pais. Além disso, há casos em que o jovem compartilha seu sofrimento com a família, mas encontra um ambiente de descrença ou minimização do problema, sendo frequentemente taxado de "frágil" ou acusado de exagerar. Essa invalidação emocional pode levá-lo a buscar alternativas que, embora acessíveis, não são adequadas para um tratamento eficaz.

Entretanto, é fundamental compreendermos que um chatbot não realiza terapia. Ainda que possa oferecer respostas amigáveis e acolhedoras, amenizando momentaneamente o sofrimento do usuário, ele não substitui o trabalho de um profissional da saúde mental. O processo terapêutico envolve a identificação das causas subjacentes ao sofrimento psíquico e a aplicação de técnicas psicológicas específicas (que variam de acordo com a abordagem adotada pelo terapeuta) para guiar o paciente na busca por estratégias de enfrentamento e superação. Somente um profissional qualificado pode avaliar corretamente a gravidade do quadro, oferecer um tratamento adequado e, quando necessário, encaminhar o paciente para outros tipos de suporte, como psiquiatras ou redes de apoio especializadas.

A ausência de acesso adequado à saúde mental na juventude pode resultar na progressão de transtornos emocionais e psicológicos, cujas consequências se estendem para a vida adulta. Problemas que poderiam ser tratados precocemente acabam sendo mascarados ou agravados, podendo levar a dificuldades acadêmicas, isolamento social, baixa autoestima e até mesmo ao desenvolvimento de transtornos mais severos, como depressão profunda e ideação suicida. Embora o uso de chatbots possa trazer um alívio imediato, ele está longe de ser uma solução eficaz para lidar com o sofrimento psíquico.

Portanto, é essencial que a sociedade compreenda o papel insubstituível dos profissionais de saúde mental e se empenhe na construção de um ambiente mais acolhedor para os jovens. Isso inclui tanto a ampliação do acesso a serviços psicológicos e psiquiátricos quanto a sensibilização das famílias para que não desmereçam o sofrimento emocional de crianças e adolescentes. Afinal, validar as emoções e garantir suporte adequado pode ser a diferença entre um quadro transitório e o desenvolvimento de uma condição crônica. Se queremos realmente enfrentar a crise de saúde mental que atinge a juventude, precisamos ir além das soluções superficiais e garantir que cada jovem tenha acesso ao cuidado que realmente necessita.