Do Mercado às Relações
Artigo publicado no Diário SM no dia 11/03
Márcio Medeiros
3/12/20252 min read


Do Mercado às Relações
Existe um conceito pouco difundido, mas amplamente presente na contemporaneidade, denominado economia dos afetos. Trata-se de uma perspectiva que aplica a lógica de mercado às relações interpessoais, na qual os afetos são inseridos em processos de interação e interpretados sob dinâmicas de doação, barganha e troca. Nessa visão, a afetividade passa a ser compreendida como um elemento negociável, o que levanta questões profundas sobre a autenticidade dos vínculos humanos.
No entanto, há um problema fundamental nessa concepção: os afetos não são moedas de troca, mas consequências de ações. Aqui reside um equívoco social significativo, no qual muitas pessoas, ao exigirem reciprocidade, voltam-se para demandas afetivas em vez de considerarem as ações concretas que estruturam as relações sociais.
Um exemplo emblemático dessa distorção manifesta-se na relação materno-paterna. O amor e o carinho de um filho por seus pais não emergem de uma barganha emocional, mas do cuidado, do respeito e da dedicação contínuos demonstrados ao longo de seu desenvolvimento. Assim, perguntar a uma criança se ela ama seu pai ou sua mãe, como se a resposta fosse um indicativo absoluto do vínculo afetivo, é uma abordagem equivocada. O amor genuíno não é evocado por exigência verbal, mas brota naturalmente de ações concretas que expressam zelo, respeito e acolhimento. Quando há uma vivência cotidiana pautada no afeto, este se manifesta espontaneamente, sem a necessidade de declarações formais.
O grande desafio contemporâneo parece residir no fato de que adotamos a lógica econômica como modelo interpretativo para os mais diversos aspectos da vida. A racionalidade econômica faz sentido dentro do universo ao qual se destina – o da economia. No entanto, a vida humana não se restringe à economia, mas é constituída por múltiplas dimensões – biológica, psicológica e social – que não podem ser reduzidas a uma perspectiva meramente utilitária. A tentativa de aplicar princípios mercadológicos às relações humanas resulta em uma visão empobrecida da experiência afetiva e relacional, simplificando de maneira excessiva a complexidade da vida.
Portanto, se o objetivo é construir espaços sociais pautados pelo afeto e pelo cuidado, é fundamental deslocar o foco da mera troca afetiva para a qualidade das interações estabelecidas. Em vez de questionarmos como estamos "doando" e "recebendo" afeto, devemos refletir sobre o nível de cuidado e respeito que estamos cultivando com o outro. O que fazemos para respeitar e sermos respeitados? O quanto, de fato, nos importamos e cuidamos uns dos outros? São posturas como essas que possibilitam a construção de ambientes harmônicos, e não exigências e afirmações como "não dou meu afeto a qualquer um".
Como vimos, afeto não se dá, se constrói. Dessa forma, é imprescindível abandonar a lógica da "economia dos afetos" e adotar uma perspectiva baseada na construção de ações afetivas, onde o vínculo surge não da barganha, mas do genuíno comprometimento com o outro.