O Silêncio dos Vínculos

Texto publicado no Jornal Diário de Santa Maria no dia 22/04/2025

Marcio Medeiros

4/24/20252 min read

Recentemente, foi lançada a série Adolescência, que tem gerado intensos debates. Trata-se de uma obra multifacetada, que oferece um amplo panorama das diversas dimensões que atravessam a vida de uma criança, abordando aspectos institucionais, familiares e sociais. Entre tantos elementos possíveis de análise, há um ponto em especial que merece destaque: o que se pode chamar de “abandono silencioso”.

Esse tipo de abandono não se refere à ausência física dos pais, mas à falta de vínculos afetivos genuínos no ambiente familiar. Ou seja, embora muitos pais estejam presentes dentro de casa, o que falta são momentos reais de conexão, diálogos verdadeiros nos quais todos estejam inteiramente presentes — sem celulares, televisores ou outras tecnologias que favoreçam a desatenção. Essa presença de corpo e alma, esse encontro pleno entre duas pessoas, é fundamental para o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças, mas tem se tornado cada vez mais raro.

Na série — e também na experiência que vivencio como professor — é possível observar uma crença recorrente: a ideia de que prover financeiramente, tratar com gentileza e evitar castigos físicos seria suficiente para garantir uma boa criação. Contudo, isso não basta para a formação de vínculos empáticos. Estabelecer laços demanda tempo, energia e dedicação — recursos escassos em uma sociedade que esgota suas pessoas no ritmo intenso do trabalho cotidiano.

As consequências desse abandono silencioso são variadas. Na série, ele se manifesta pela vulnerabilidade da criança a discursos violentos na internet. Já no contexto brasileiro, percebo um aumento significativo de crianças ansiosas, com dificuldade de estabelecer limites, baixa responsabilidade e uma intensa carência afetiva. Esses aspectos, por sua vez, se refletem em comportamentos disfuncionais na escola, afetando tanto o aprendizado quanto os processos de socialização.

Além disso, nota-se uma crescente erosão da empatia entre gerações. A empatia nasce da conexão verdadeira, e quando ela falha no seio familiar, sua construção em espaços coletivos, como a escola, também é comprometida. Cria-se, assim, um ciclo de isolamento tanto no ambiente doméstico quanto no escolar — um ciclo que, se não for interrompido, tende a se agravar, gerando quadros emocionais severos.

Entre as múltiplas reflexões suscitadas pela série, destaca-se a urgência de um olhar mais atento para o cuidado na infância. Laços afetivos precisam ser cultivados nas mais diversas esferas: na família, na escola, nas amizades. Estar fisicamente presente ou prover materialmente não é, por si só, suficiente. Reconhecer essa limitação pode ser o primeiro passo para romper com uma lógica perversa que tem se naturalizado — e que tanto compromete o florescimento emocional das novas gerações.