Quando o Machismo Mata Duas Vezes
Artigo publicado no Diário de Santa Maria no dia 08/04/2025
Marcio Medeiros
4/13/20252 min read


Nos últimos dias, temos assistido a uma trágica onda de violência cometida por pais que, em um gesto extremo de retaliação contra suas ex-companheiras, atentam contra a vida dos próprios filhos. Esses crimes bárbaros não são episódios isolados, mas sim mais uma expressão da persistente violência de gênero. Trata-se de uma reatualização da violência contra a mulher, que agora se manifesta por meio da instrumentalização dos filhos como forma de causar sofrimento profundo às mães.
Vivemos, no Brasil, uma verdadeira “pandemia” de violência contra a mulher — um fenômeno estrutural e histórico. Segundo o relatório Raseam 2025, em 2024 foram registrados 1.450 feminicídios e 2.485 homicídios dolosos de mulheres. Números alarmantes, que revelam um cenário complexo e profundamente marcado por desigualdades. Dentre as vítimas, 60,4% eram mulheres negras (pretas e pardas), o que evidencia o impacto desproporcional da violência sobre populações que já enfrentam vulnerabilidades sociais e raciais.
Assim, a violência contra a mulher também deve ser compreendida a partir de marcadores sociais como cor e renda. A maioria das mulheres negras está inserida nas camadas sociais mais precarizadas, com acesso limitado a serviços de saúde, segurança e justiça. Essa realidade contribui para a perpetuação do ciclo de violência e dificulta o rompimento das situações de risco. O conceito de interseccionalidade, desenvolvido por Kimberlé Crenshaw, é útil para entender como diferentes formas de opressão se entrelaçam e se reforçam nesse contexto.
O Disque 180, canal nacional de apoio às vítimas, recebeu mais de 750 mil atendimentos em 2024. Embora a violência de gênero atinja mulheres de todas as classes e cores, suas consequências são mais graves entre aquelas em maior vulnerabilidade social, justamente pela ausência de suporte efetivo. A explicação para esse fenômeno não pode se restringir a desvios individuais. Trata-se de um padrão cultural perverso, sustentado por estruturas sociais e simbólicas que desumanizam as mulheres.
Nesse processo, destaca-se a objetificação da figura feminina — uma forma de desumanização que transforma a mulher em objeto, privada de subjetividade, autonomia e sentimentos. Ela passa a ser vista como alguém que deve servir e não contrariar. Quando o agressor se sente frustrado, ele agride, humilha e, por vezes, mata.
Essa incapacidade de reconhecer o outro como sujeito revela uma profunda imaturidade emocional. Temos formado, como sociedade, homens infantilizados, que não desenvolveram habilidades de autorregulação, empatia ou responsabilidade afetiva. Essa fragilidade se expressa no cotidiano — no trânsito, nas filas, nos relacionamentos —, mas atinge sua face mais cruel na violência contra a mulher.
Diante disso, é urgente repensarmos o rumo de nosso desenvolvimento social. Esse desafio exige políticas públicas de caráter educacional, legislativo e institucional. Agir apenas após o crime é sempre tardio. É preciso transformar as raízes culturais que legitimam essa violência.