Quem Fala por Nós?

Artigo publicado no Jornal Diário de Santa Maria no dia 20/05/2025

Marcio F S Medeiros

5/25/20252 min read

Há, atualmente, uma situação alarmante no panorama educacional brasileiro. A crise da educação não decorre apenas da deterioração das condições de trabalho dos professores ou da corrosão simbólica de sua autoridade social; ela se aprofunda, sobretudo, pela banalização do discurso sobre a prática pedagógica. Em tempos recentes, observamos uma preocupante deslegitimação do saber docente: qualquer sujeito — desde economistas, advogados e médicos até gestores públicos — se sente autorizado a emitir pareceres sobre educação, ainda que careça de formação específica e vivência prática no campo.

Essa lógica tecnocrática de formulação de políticas educacionais é visível, sobretudo, nas esferas federal e estadual, com destaque para o caso do Rio Grande do Sul. São raras as ocasiões em que educadores, pesquisadores da área e profissionais com expertise em desenvolvimento humano participam, de forma estruturada, dos debates e das decisões estratégicas. Com isso, saberes essenciais ao planejamento pedagógico — como as contribuições das neurociências sobre o neurodesenvolvimento infantil e as chamadas "janelas de oportunidade" para a aprendizagem — são sistematicamente negligenciados nas diretrizes atuais.

Mais grave ainda é o descolamento entre a complexidade da escola como espaço social multifacetado e as políticas que pretendem regulá-la. A escola contemporânea é, simultaneamente, lugar de ensino e aprendizagem, espaço de mediação cultural, rede de proteção social, ambiente de inclusão e arena de conflitos sociais. Ela concentra, em seu cotidiano, tensões oriundas do racismo, da violência, das desigualdades socioeconômicas, das expectativas familiares e das lacunas institucionais. Diante disso, é irreal e injusto supor que o professor, sozinho, possa dar conta de toda essa complexidade sem apoio técnico, tempo adequado para planejamento ou respaldo institucional.

O que se observa, infelizmente, é o movimento inverso: a massificação do ensino, o acúmulo de tarefas burocráticas, a ausência de tempo efetivo para o planejamento criativo e colaborativo, bem como a escassez de equipes multiprofissionais que auxiliem na condução de práticas pedagógicas contextualizadas. Tanto no setor público quanto no privado, faltam políticas educacionais robustas que delineiem responsabilidades claras para equipes interdisciplinares e estabeleçam pactos concretos de apoio ao professor.

O resultado é um corpo docente exaurido, imerso em rotinas operacionais que impedem a inovação pedagógica e favorecem o erro — erro este que, não raro, é julgado por instâncias externas à sala de aula, muitas vezes compostas por atores que orbitam a escola sem de fato conhecê-la. Enquanto essa lógica persistir — e não há, no horizonte imediato, sinais de sua reversão — a educação brasileira seguirá à deriva, penalizada por uma incompreensão estrutural de sua complexidade e de seu valor estratégico para a sociedade.